terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Reflexões sobre o erro

Algumas vezes penso que o pior de quando se faz algo errado não é somente a culpa pelo que fez, mas ter que ficar vendo os dedos dos outros apontados para você. Ouvir a mesma coisa várias vezes e, o que é mais complicado ainda: o rancor, que faz com que o erro seja rememorado sem motivo aparente. Talvez uma boa explicação para esse “rancor” é que ele, na verdade, é uma vaidade travestida, pois quem aponta o erro repetidas vezes o faz para provar que você está errado, logo, ele está certo e... como é bom estar certo, né? Todo mundo é tão cheio de suas certezas, e a essas pessoas eu só posso dispensar a minha pena. Pena por ver que, em uma vida de certezas, há pouco espaço para descobertas. Em uma vida de dedos na cara, há pouco espaço para carinhos no rosto. Em uma vida com tudo muito bem planejado, sem espaço para erros, não espaço também para tentativas, para frios na barriga, para aprendizado, para tapas na cara dados pela própria vida (e não pelos outros), para aquela coisa que, por mais que nos falem, só aprendemos fazendo, ou com o tempo. É, que, sabe, todo mundo já disse, mas a vida não é equação matemática; a vida é história, é química e, é visceralmente fisiológica.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Comunicação Popular, o debate e o processo constituinte no Brasil (1977-1985)

(Em linhas gerais, foi sobre isso que tratei na minha dissertação de mestrado)



Ao final deste trabalho de dissertação onde tivemos acessos às principais questões que perpassaram a classe trabalhadora no processo constituinte brasileiro para a confecção da Constituição de 1988, a última até então promulgada no país, que está em vigência até os dias atuais, percebemos que este não foi um debate feito apenas entre os magistrados ou políticos. A sociedade civil participou através de suas entidades, com propostas e pautas e, sobretudo, com a produção de vasto material a respeito, que iam desde cartilhas explicativas sobre questões básicas da Constituição à jornais periódicos que davam notícias para diversas partes do país sobre o que acontecia em Brasília.
Trabalhamos, sobretudo, ao longo deste trabalho com a perspectiva dos movimentos sociais em relação á Constituinte e como essa era manifestada na Comunicação Popular produzida por estes. Para tratar sobre Comunicação, usamos conceitos importantes, principalmente de Antonio Gramsci, Cicília Peruzzo, Regina Festa e Perseu Abramo.
Vimos que, à princípio, a proposta de convocação de uma Assembléia Constituinte, ainda no final da década de 70, sob a égide dos militares em sua transição lenta, gradual e segura, representava uma alternativa à essa transição, porque se constituía como uma interrupção da institucionalidade autoritária, ou seja, ela seria uma nova institucionalidade e não uma reforma na institucionalidade autoritária como era a pretensão dos militares e forças conservadoras. Porém, a proposta da Constituinte ainda na Ditadura não foi vitoriosa e esta proposta nem era consenso entre os movimentos sociais à época ainda. Muitos ainda buscavam outros meios para a transição, como, por exemplo, a luta pelas Diretas. Vários debates ocorreram desde 1977 a 1985, em outras palavras, desde quando o debate começou a emergir, posteriormente ao Pacote de Abril de 77, até a unificação das oposições antiautocráticas em torno da pauta da Constituinte com o lançamento do Movimento Nacional pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte em 1985. Mas, se os setores antiautocráticos conseguiram se unificar em 1985 em torno desta pauta, devemos lembrar que não era só essa oposição que existia no Brasil no contexto de transição e pós ditadura. Outros setores da sociedade também pautavam a Constituinte, muitos com objetivos e perspectivas bem diferentes do que aquelas levantadas pelos sujeitos históricos oriundos das classes subalternas. Vimos que os mais progressistas defendiam a Assembléia de representantes eleitos com função exclusiva de elaborar a nova Constituição, por esta ter maior representatividade e soberania. Porém, outros defendiam o Congresso Constituinte onde atuariam os deputados federais e senadores eleitos em novembro de 1986 e senadores eleitos em 1982, com acumulação de funções de congressistas e de constituintes, ou seja, uma Constituinte que não seria exclusiva, como era proposta dos trabalhadores, e que seria definida por um processo partidário e eleitoral favorável às forças conservadoras. Vimos, então, que esta foi a proposta aprovada, o que significou uma primeira grande derrota aos movimentos sociais em relação à Constituinte.
A Comunicação Popular nos períodos que antecederam a convocação para o Congresso Constituinte era feita de forma a alertar a população para o processo político que estava por vir, explicar alguns conceitos que tangeriam este debate, falar sobre a história das demais Constituições do Brasil numa perspectiva formativa, levantando a preocupação que estes movimentos tinham em denunciar o processo constituinte controlado pelo governo e pelas classes dominantes, como haviam sido nos demais processos brasileiros.
Com as reformas implementadas por Sarney em 1985 e a certeza de que a Constituinte seria via Congresso, o caráter destas publicações também muda passando agora não só a explicar conceitos, etc, mas também denunciar o caráter excludente de um processo feito via congressual, executando denúncias, já que, para os movimentos sociais, convocar uma Assembléia Constituinte e não um Congresso Constituinte era uma forma de romper com a transição lenta, gradual e segura. Mas, sem cessar a luta, começa-se a partir daí a pensar e produzir cartas de intenções a serem entregues aos candidatos ao Congresso, tentando obter destes garantias de que, se eleitos, lutariam lá dentro pelas pautas elaboradas pelos movimentos populares.
Em novembro de 1986 ocorreram as eleições para Congresso e o PMDB, bem como demais partidos ligados às forças conservadoras, foi o grande vencedor, isto porque foi amparado pelo Plano Cruzado, cuja aprovação popular era alta, mas que já beirava seu colapso próximo às eleições, porém foi mantido artificialmente para o que o governo garantisse maioria no Congresso. Sendo assim, muitos daqueles candidatos para os quais os movimentos sociais haviam entregado suas cartas de intenções não ganharam. A luta, mais uma vez, não parou, mesmo com mais essa derrota. Neste momento, a batalha seria, então, pelo regimento interno. E esta foi uma batalha vitoriosa. Os movimentos sociais conseguiram implementar no Congresso uma dinâmica que contemplasse suas demandas, com a aprovação da possibilidade de protocolarem Emendas Populares. A Comunicação e o movimento popular, neste contexto, então, entram em mais uma nova fase: a de formulações de propostas em assembléias e reuniões e posterior recolhimento das assinaturas para que estas fossem validadas no Congresso. O trabalho, novamente, foi árduo e a Comunicação Popular cumpriu o papel agora de noticiar as propostas, colher outras, dar informes de como este processo estava sendo feito em outras regiões do país, explicar o que eram essas Emendas e, sobretudo, impulsionar a busca por assinaturas, já que estas, segundo os relatos dos sujeitos que atuaram neste processo, nunca eram meros autógrafos, como propagandeado pela Grande Mídia à serviço das forças conservadoras, elas eram fruto de um trabalho de base de debates e convencimentos em diversas esferas da organização popular, com o recolhimentos destas feito em igrejas, sindicatos ou até mesmo, de casa em casa ou ainda no campo. Deste período há relatos riquíssimos como, por exemplo, de comunidades indígenas no Pará, cuja maioria era de analfabetos e que, portanto, para assinarem, deveriam colocar suas digitais e essas eram colhidas com tinta feita de açaí, produzida pela própria comunidade.
Momentos significativos nas mobilizações populares também são percebidos nos relatos sobre as caravanas à Brasília para entrega das emendas e assinaturas. Eram pilhas de papéis que seriam entregues ao Congresso e pessoas que iriam até lá para, não só entregá-las, mas fazer disto um ato político. E estas pautas das emendas populares eram extremamente variadas, tendo em vista que os trabalhos no Congresso foram divididos em oito comissões e dentro destas existiam três subcomissões que tratavam de temas como da soberania e dos direitos e garantias do homem e da mulher, da organização do Estado, da organização dos poderes e sistema de governo, da organização eleitoral, partidária e garantia das instituições, do sistema tributário, orçamento e finanças, da ordem econômica, da ordem social, da família, da educação, cultura e esportes, da ciência e tecnologia e da comunicação, isso citando apenas os temas das comissões. Destas, a recordista de emendas foi a de ordem social, manifestando as reivindicações pungentes da população sobre esta área.
O tempo todo, também, além de todas as demandas anteriormente citadas, a Comunicação Popular do período tinha que tratar também da batalha ideológica sempre travada em relação à Grande Mídia, que, como muitas emissoras eram de forças conservadoras, ligadas à direita, muitas vezes não noticiava o trabalho dos movimentos sociais e quando o fazia, era desqualificando-o.
Com todo este trabalho e mesmo com a desqualificação proferida pela Grande Mídia, o texto do 1º anteprojeto, graças a mobilização popular, trouxe diversos avanços para a classe trabalhadora. Nele já estavam contidos direitos como estabilidade no emprego, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, a unificação do salário-mínimo nacionalmente, a ampliação da licença-maternidade para 120 dias, entre outros. Mas estes avanços não ficariam incólumes, pois estava sendo preparado um golpe por parte da direita, o Golpe do Centrão, grupo de parlamentares organizados pelo próprio governo Sarney em consonância com diversas entidades ligadas às forças conservadoras que tinham o objetivo de desfazer estas conquistas empreendidas pelos trabalhadores na Constituinte até então. A partir deste golpe, muita coisa foi mudada no texto e na atuação dos movimentos sociais. A Comunicação Popular deste período passa, então, a denunciar as práticas do Centrão. As caravanas à Brasília começam a serem barradas, pois o Centrão conseguiu, através de seu golpe de mudança de regimento interno barrar até a entrada de setores populares no Congresso. À estes lutadores sociais, restava a opção de negociar para não perder o que já haviam conseguido. Negocia-se, então diversas pautas, principalmente de as de ordem econômica e social, justamente as recordistas de emendas populares e as que eram, declaradamente, alvo do Centrão.
A Constituição de 1988, portanto, após sua promulgação em cinco de outubro de 1988, se torna dual em seu teor, tendo em vista que o texto final, ao observarmos concessões às camadas populares como direito da infância e do adolescente, extinção do conselho de segurança nacional, criação do SUS, criação do habeas data, criação do mandato de segurança coletivo, etc., a configuram como uma Constituição com caráter democrático liberal em alguns aspectos. Na opinião de diversos estudiosos sobre o tema que citamos ao longo deste trabalho, ninguém saiu plenamente satisfeito com a nova Carta, nem mesmo os setores ligados às forças conservadoras.
Apesar de garantir diversos direitos à classe trabalhadora, e de um certo caráter democrático liberal, não podemos ver nela uma demonstração de democracia em seu sentido literal, como regime político onde o contraditório tem direito a ser sujeito político, disputar a hegemonia, sentar para negociar. Na Constituinte, quando este direito foi dado, logo foi retirado à duros golpes, assim a supremacia do Executivo sobre o Legislativo e Judiciário foi mantida, bem como a tutela militar, a maior herança autocrática do período de Ditadura . A estrutura partidária só se difere daquela vigente durante a Ditadura por causa da liberdade de criação de novos partidos, mas permanece com a mesma legislação eleitoral aparelhista.
Após este estudo, especificamente em relação à Comunicação Popular, respondendo à nossa hipótese de pesquisa, podemos observar que esta, em contraposição a grande mídia, promoveu uma politização no processo Constituinte, atuando de maneira formativa e informativa, como escola de adultos e com uma atuação partidária, formulando ações e visões de mundo, o que fez com que fossem alcançadas mudanças, mesmo que conjunturais, na realidade e no debate político. Mesmo com a correlação de forças daquele momento e com os mecanismos de controle da burguesia amparada pelos militares, bem como até mesmo a sua forma de elaboração através de um Congresso Constituinte, que também contribuiu para a despolitização do processo, coube aos movimentos sociais a mobilização e a produção da Comunicação Popular para empreenderam um esforço contra-hegemônico dentro do processo Constituinte. Após a Constituição o horizonte ainda era de luta, pela regulamentação de direitos, pelas Constituintes Estaduais e nas eleições presidenciais que estavam por vir. E foi isso que os movimentos sociais fizeram.
Ainda hoje diversos direitos garantidos em Constituição ainda não saíram do papel. Alguns outros já foram modificados por diversas emendas constitucionais implementadas por governos neoliberais que se seguiram no país. Muitos daqueles direitos, que nem foram todos conquistados pelos movimentos sociais à duras penas naquela época, hoje são letras mortas. É comum, até mesmo por parte de juristas, a opinião de que “examinando apenas o conteúdo do texto constitucional, podemos ver um país de alto desenvolvimento na sociedade, na economia e na cultura, com modelo social democrático e uma democracia aperfeiçoada”, como é o caso da opinião do professor de Teoria do Estado da USP e de Teoria do Direito no curso de pós-graduação da PUC-SP, Marcelo Neves (2008). Ele considera ainda que “o texto é de país hiperdesenvolvido, mas a prática constitucional é de um país subdesenvolvido” e complementa dizendo que “no Brasil, uma ampla massa da população é excluída das garantias e direitos fundamentais consagrados pela nossa Lei Maior”. Esta observação do jurista nos parece pertinente e complementamos que esta é uma característica de países periféricos, conforme nos orienta Florestan Fernandes em suas conceituações sobre autocracia burguesa, onde a extrema concentração de riqueza aliada à formas pré-capitalistas garantem uma super exploração do trabalho ao mesmo tempo em que o Estado cria uma blindagem institucional contra a influência das classes subalternas.
A Constituição de 1988 apresenta, então, direitos às classes subalternas, mas muitos deles nunca foram implementados e outros reformados. E, de todo este processo, foi nosso intuito mostrar que, mesmo com esta blindagem institucional às classes subalternas oferecida pelo Estado autocrático burguês no Brasil, estas foram atuantes na elaboração da Carta Magna, na tentativa de se tornarem sujeitos históricos que pautassem o processo, e essa atuação se deu, especialmente, através da Comunicação Popular que integrou, formou e atuou partidariamente nestes movimentos sociais de luta na Constituinte.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Posso me considerar uma privilegiada. Enquanto, infelizmente, sei que muitas crianças crescem sem a presença de ao menos um dos pais, tive, durante toda a minha infância, não só meu pai e minha mãe, como também meu avô, que morou com a gente até a sua morte. Além também de uma família bastante unida, incluindo tios, primos.
A ligação que tive com meu avô beira o inexplicável. Era, além de forte e amorosa, quase telepática. Não é a toa que hoje o tenho tatuado em meu braço. E foi com ele que aprendi que amor não existe apenas entre, com ou para seres humanos. Meu avô, seu Joaquim, um homem simples, “da roça”, como dizem, que só não foi analfabeto porque era autodidata, sabia, em sua sabedoria empírica, que é possível e, mais do que isso, necessário, amar e sobretudo respeitar também os animais, os rios e toda a natureza.
Lembro-me que quando plantávamos alguma coisa no quintal de casa, chegávamos a batizar a planta, dando-lhe nome e até conversando com ela! Parece loucura, mas era além de uma brincadeira de criança, algo que hoje penso que se todos tivessem tido uma oportunidade assim, de aprender um respeito – que muitos não têm sequer à humanos – à natureza, uma outra forma de se relacionar com esta seria mais palpável, e la estaria um pouco mais salva.
Com os animais era o tempo todo referenciando. Como por exemplo quando comíamos demais uma comida muita boa, lembro-me, e hoje repito a frase: “Oh, vontade de ter um bucho de égua!”. Conhecimento simples, mais importante, inclusive, para entender que isso é uma piada, afinal equinos, além de terem um porte grande, correspondente a todos os seus órgãos, inclusive o estômago (bucho), também têm o costume de regurgitar para poder comer mais.
O primeiro cachorro lá de casa curiosamente se chamava Sadam, um vira-lata encontrado na rua pelo meu avô e meu irmão quando eu não tinha nem um ano de idade. Na época, morávamos em apartamento e minha mãe disse que não poderíamos ficar com ele por esse motivo. Mas, qual o quê, todos ali odiavam viver apertados naquele cubículo e então mudamos para uma casa, onde poderíamos ter o Sadam, mais espaço, liberdade e felicidade.
E era, de fato, uma alegria viver em uma casa onde poderíamos sentar na porta todos os dias eu, Sadam e meu avô às cinco horas da tarde para esperar meus pais chegarem do trabalho e meu irmão da escola. Quando chegavam, Sadam abanava o rabo e pulava, eu também pulava e ia pro colo, enquanto meu avô cumprimentava e ia para a cozinha fazer café para meus pais e mingau para meu irmão. Cada uma, à sua maneira, demonstrava seu afeto: com abano de rabo, com pulos no colo ou com cheiro de café, eram todas demonstrações de carinho genuínas e harmoniosas em nossa casa.
Mas Sadam não era apenas esse cachorro calmo e afetuoso da espera sentado à porta de casa. Quando tinha cachorra no cio no bairro, não sei como, mas ele descobria e dava um jeito de escapulir e ir atrás. Se metia em briga, ficava dias fora de casa e meu avô sempre dizia que ele era boêmio.
Em várias dessas fugidas ele não voltava e ficávamos desesperados de preocupação. Rodávamos o bairro inteiro de carro, a pé, bicicleta, patins; perguntávamos vizinhos e, por fim, algumas vezes, acabávamos recorrendo à opção mais dolorosa: ir ao CCZ ver se a carrocinha havia passado e recolhido-o para a morte.
Muitos nos perguntavam como iriamos reconhecê-lo lá, em meio a tantos cachorros desesperados por um lar, o Sadam, que era tão comum e como tantos outros. Mas isso não era problema: quando nos via indo resgatá-lo Sadam pulava da mesma forma que pulava para receber meus pais e aí não tínhamos dúvida de que era ele.
Meu avô nunca me deixou entrar nesses resgates com ele no CCZ. Dizia que eu não estava preparada para aquilo. Hoje entendo o que fazem com os bichos lá e acho que até hoje não estou preparada para ver tamanha crueldade com animais, por esse e outros motivos sequer como carne. Me parece incongruente que eu ame tanto meus cachorros e gatos e possa empreender tamanho sofrimento à outras espécies de animais.
São muitas as histórias de Sadam, Dalila e Lucy em nossa família nesses 24 anos de presenças constantes e amorosas. Sobre Dalila ainda não consigo falar, a dor de sua perda ainda é muito recente. Lucy está conosco até hoje. Sadam se foi com 16 anos em 2005, quatro anos depois de meu avô que, quando se foi, o deixou uivando no portão durante um mês. Naquela época, lembro-me de me sentir culpada por não saber consolar a dor de Sadam, mas, como consolá-lo, se perder meu avô foi a coisa mais difícil que já tive que enfrentar? E então, uivávamos e chorávamos juntos a perda de nosso companheiro do portão e da vida.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Declaração de voto

Durante todo o período desde que começaram as campanhas eleitorais (em agosto, certo?) para vereadores e prefeitos acompanhei, principalmente pela internet, de tudo um pouco: pessoas que mudaram nomes de comunidades e desonestamente colocaram nomes de candidatos (Ailma, Ayala e Isaura Lemos foram os que presenciei em minha lista), pessoas que fazem floods chatos que mais afastam do que aproximam, campanhas realmente boas com propostas, marcações insistentes diariamente, gente xingando porque não queria ser marcado, gente excluindo amigos porque descobriu que o amigo não vota nulo, gente postando mais que os floods de candidatos campanhas pelo voto nulo (tão chatos quanto), denuncias de coronelismos até hoje no interior, candidato que se diz de esquerda em envolvimento com Cachoeira, candidato a prefeito querendo fazer plano de saúde e não investir no SUS, candidato que fez 8 CMEIs agora prometendo 80. Enfim, foram muitas coisas que todos vocês viram (ou pelo menos deveriam ter visto) e não vou ficar aqui comentando um a um, porque não é esse o caso. Assisti a tudo isso sempre fazendo minhas reflexões, críticas e elogios e dialogando com quem é mais próximo de mim, mas não cheguei a colocar nada disso na internet, justamente porque ela já está cheia disso!
Hoje, faltando dois dias para a votação decidi fazer uma declaração de voto, que não a fiz antes porque estava, sinceramente, ainda refletindo diante da enxurrada de informações (porque informação sem reflexão é só vício mesmo). Pra quê isso? Porque o facebook é meu e eu posto o que eu quiser, rá! Não, não é por esse motivo tosco e infantil e sim porque acredito que as redes sociais têm, sim, potencialidades que devem ser exploradas - ou melhor, antes disso, também estudadas, faz o favor, tá? - não da forma idealizada de muitos que acham que vão fazer a revolução através de compartilhamentos e curtidas, mas creio que um meio que faz com que as pessoas estejam presas a ele durante tantas horas de seus dias – e eu me incluo entre esses – não deve servir só pra postar piadinhas ou sua banda favorita, né? Podemos debater ideias; quantas não foram explicitadas aqui mesmo no meu próprio perfil? Podemos fazer grupos de pessoas com afinidades e organizar eventos, marchas, etc. Podemos, inclusive, descobrir que no mundo tem muito babaca, misógino, homofóbico e que esses também se organizam e devem ser combatidos não só virtualmente.
Ok, podemos fazer tudo isso, mas a revolução ainda é na rua, tá?
Daí resolvi fazer minha declaração de voto, não que eu ache que eu vou influenciar alguém, porque não é essa a minha intenção, mas porque eu vi tanta coisa nesses últimos tempos e, como dizia Raulzito “eu também vou reclamar”.
Votarei em Marta Jane.
Meio óbvio? Talvez não.
Como alguns sabem fiz parte durante dois anos do PCB, militei muito, literalmente doei estes dois anos da minha vida para construir esse partido e creio que não foi em vão. Muito do que hoje ele é, seja lá o que for, mas parte até de seu crescimento, sem falsa modéstia, creio que ajudei um pouquinho a construir. Saí porque depois de um tempo, depois de levar muito na cara e perder muito debate eu percebi que não perdia os debates nem sempre por falta de argumentação, e sim por ranços stalinistas e sobretudo machistas que ainda estão presentes em muitos militantes do partido em Goiás. Eu não poderia conviver com isso, fazia-me mal fisicamente, inclusive. Era muito triste ter ido e participado das resoluções do XIV Congresso no Rio e voltado pra Goiânia com esperanças renovadas e chegar aqui e me deparar com ditos “camaradas” que pareciam nem fazer questão de saber delas, pois suas péssimas práticas já estavam cristalizadas e eles mandam no partido. Saí, não pretendo voltar nem para o PCB e nem para nenhum partido, mas, também não sou contra eles. Mas esse não é o tema que quero escrever agora.
Descobri que stalinismo e machismo tem em todo lugar e vou ter que lutar contra ele todos os dias em qualquer lugar. Descobri que até na academia dos santos professores doutores também tem disso, e muito!
Descobri neste meio tempo a forma de militância que mais me agrada: os movimentos sociais. Estudei-os em meu mestrado, tentei participar de alguns, sempre observei muitos. Descobri que no movimento sindical (ao menos no dos técnicos administrativos da UFG) também não há espaço para ideias novas. Opa, espera aí, ideias novas, como podem perceber, sempre foram combatidas em quase TODOS os lugares em que militei. Uma decepção? Sim. Mas eu ainda tenho esperanças, porque pouca coisa mudou, mas pelo menos já mudou algo, né? Tenho a impressão que é assim mesmo. O tempo histórico das mudanças não é tão rápido como gostaríamos e precisamos.
Tá, “mas depois de tudo isso você ainda vota?” Muitos podem me perguntar. Sim, eu voto. “Não vai mudar nada!” Outros falam e eu respondo que provavelmente não mudará muita coisa mesmo, porque esse é um âmbito institucional e não faremos revolução institucionalmente mesmo. Eu sei, inclusive, que as leis eleitorais brasileiras quase nada se diferem das da época da ditadura ainda e favorecem os grandes partidos, os que têm grana, pra ser mais exata. Sei de tudo isso e ainda voto.
Voto, e é só por isso, porque sei que faz certa diferença para grupos minoritários ter ao menos um representante que vai ficar na Câmara falando sozinho, mas que vez ou outra pode protocolar uma proposta de lei anti homofobia na cidade, como Marina Santanna fez em 2007 em Goiânia, ou demais propostas que ofereçam um mínimo de dignidade à pessoas que são excluídas, ofendidas e violentadas diariamente. Sei que os movimentos sociais podem ter um canal pequeno, mas é um canal de interlocução com algum parlamentar que realmente esteja do seu lado e não que finge estar, mas recebe dinheiro do Cachoeira, como fez o senhor Elias Vaz. Creio que é importante que sejam apresentadas pautas de caráter popular e com a pressão popular na Câmara de Goiânia. Por isso voto em Marta Jane, porque penso que é uma alternativa, é um braço no institucional que terá respaldo nas ruas e vice-versa. Sei que se eleita ela estará lá com esse mesmo intuito que apresento. Sei que ela compreende que aquele é apenas um aporte, mas que as mudanças de fato ocorrerão por outros meios.
E o fato dela ser do PCB, partido do qual eu saí? Saí, mas muitos ali eu respeito. Respeito, sobretudo, a história desse partido, com seus erros e acertos. Respeito Mazzeo, Maskote, Igor Grabois, Mauro Iasi, Marcela Coimbra e tantos outros que não vou ficar citando. Respeito, inclusive, Marta Jane e sei que ela é verdadeiramente guerreira até pelo fato de ainda estar nesta organização com tantos problemas e, com o perdão da palavra, gente escrota que lá está também. Eu não dei conta e assumo isso.
Voto em Marta Jane e espero muito que, dos candidatos “de esquerda” que estão aí, ela possa receber mais votos e tirar Elias Vaz que parece ter concurso público (12 anos de mandato) para vereador e usa a máquina em benefício próprio. Aproveito ainda o ensejo para parabenizar o pessoal da esquerda do pessoal que vem lutando bravamente contra esse cara e o Martiniano, que, pra mim, não diferem em nada da direita. Aliás, pode-se dizer que em certa medida são ainda piores, pois são mais hipócritas de ainda usar nomes e siglas de lutas sociais para, na verdade, traí-las.
Conheço-a pessoalmente há muito tempo, militamos juntas e, pessoalmente, posso dizer que do meu círculo próximo ela é uma das mulheres que mais admiro! Inteligente, coerente, crítica, amiga e solidária. Mas isso não é motivo para votar em alguém. A minha relação pessoal com ela não deve ser colocada em pauta na hora de votar, eu sei. Só disse isso porque tenho mesmo a honra de tê-la como amiga.
Deixo claro ainda que respeito muito as pessoas que tenho conhecido ultimamente que defendem arduamente o voto nulo. Sobretudo àquelas que têm embasamento e não somente palavras de ordem para falar sobre isso e mais ainda aqueles que não só ficam fazendo críticas de sofá, mas faz algo efetivamente real para a luta social (esses são raríssimos!). Se formos parar para pensar, sem patrulhas ideológicas, creio que tenho várias afinidades com estes, mas, eu sei, esse diálogo nunca será possível, especialmente depois deste post, rs, rs. O maior problema no fim disso tudo é que a esquerda não dialoga e não se respeita e esquece que o inimigo é outro.
Enfim, foram apenas algumas reflexões que fiz e que quem quiser que leia, ou continue postando memes e xingando de forma vã a “política”.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Starfish

(Texto que fiz para o primeiro zine do Coletivo Feminista Starfish em agosto de 2012.)

Fizemos a Marcha das Vadias em Goiânia e isso parece ter incomodado muita gente. Não que em Goiânia não tivesse outros movimentos feministas, de gênero, etc, como alguém afirmou em uma de nossas reuniões deixando outra parcela desta descontente. Aqui sempre teve movimentos de gênero, sim, sempre teve gente que lutou para ser reconhecido, respeitado e até protegido pelas leis do Estado ou convenções sociais. Colcha de Retalhos, Transas do Corpo, Invertendo a Rota e tantos outros movimentos e até mesmo pessoas que individualmente sempre lutaram nessa terra do pequi têm o nosso respeito, referência e espelho pelo seu acúmulo teórico e prático, pela sua antecedência que tanto nos ensina quanto à forma de lutar.
Mas, então, o que trazemos de novo, se tantos já lutaram e continuam lutando? Por que não se integrar a outros grupos ao invés de fundar outro? Por que esta luta, especificamente, nos dias atuais?
É verdade. Pra quê lutar contra o machismo se tantos precisam de educação? Pra quê denunciar a homofobia e o preconceito se as raízes destes estão em questões mais profundas? Por que falar sobre aborto, prostituição e respeito se existem tantas outras mazelas na sociedade que são mais fáceis de serem acessadas e menos polêmicas se forem faladas? Por que lutar por gênero “esquecendo-se” da classe? E por que, logo vocês, querem falar sobre a luta de mulheres, meninas que são? Por que vocês não aceitam homens, por que vocês não me deixam te ajudar, por que vocês não querem minha instrução messiânica como um guia? Por que vocês começaram com isso agora? Por que é um grupo fechado, quase secreto?
Estas e outras frases foram algumas pérolas que escutamos em nossa curta jornada ‘starfishiana’ e pretendemos, então, dialogar, na tentativa de desmistificar o que já é mito, muito antes de ser contado.
A nossa jornada de luta ou não, histórias de vida e experiências acumuladas são distintas em diversos aspectos e culminou de se encontrarem agora. E não que elas digam respeito a alguém, pois são histórias de esfera íntima, e menos porque temos que dar satisfação para algo ou alguém, mas porque as unidades que encontramos na luta pública partem de algum lugar da esfera privada que não são ‘privilégios’ ou inéditas à nossa realidade, mas é a realidade de milhares de mulheres, em graus diferentes de acontecimentos que geralmente não merecem respeitabilidade de quem vê, mas que, para nós, tocam profundo em um mesmo lugar que só quem passa reconhece. Daí isso já responde uma das perguntas: por que não tem homens? Somos contra homens? De forma alguma, os amamos da mesma forma que amamos as mulheres e os animais, mas é que tem coisas que, para não parecer uma luta artificial e superficial, precisa antes ser sentida, e isso, com certeza, só quem é mulher sente. O homem pode ter noção e se solidarizar ao ver uma mãe que criou sozinha a filha desde que esta era ainda feto. Vários homens com certeza já fizeram isso e têm nossa admiração, mas só quem é mulher sabe o que é passar por isso e ainda perceber os olhares de repressão e estranhamento da sociedade ao ver aquela mulher se virando sozinha, criando a filha sozinha, batalhando, trabalhando, cuidando, precisando de cuidados que muitas vezes não foram encontrados, se desesperando e passando por percalços que foram ainda mais piorados por saber que a filha crescia sem a referência do pai. O homem pode se solidarizar e fazer a escolha madura e anti preconceituosa de não tratar mulheres como objeto em nenhum lugar, instância, tempo ou espaço. Mas só a mulher sabe o que é - em todos os lugares, instâncias, tempos e espaços – ser desrespeitada e tratada como objeto, da cantada na rua às piadinhas ‘sem intenção’, do salário menor no fim do mês simplesmente por sua condição de ser mulher, do abuso quando criança e até hoje quando a mão em seu corpo é muito mais rápida do que o grito contido; quando a vergonha e o trauma pelo que passou sem nem saber o que aquilo era é tão grande que parece intransponível, mesmo hoje, vinte anos depois.
Então, por que lutar contra o machismo? Pela resposta óbvia: por que isso nos toca. Por que isso, em algum momento de nossas vidas, nos tocou de forma profunda, em dores que precisávamos, antes de qualquer coisa, desabafar, contar, dizer para alguém “eu sinto isso” e ouvir de lá um “eu também”. Precisávamos nos conhecer, precisávamos ver que não estamos sozinhas, precisávamos encontrar o apoio que tantas vezes nos foi negado e precisávamos fazer desta dor íntima, desta conversa privada, uma perspectiva de luta pública para que outras mães, crianças e meninas não precisassem mais sentir vergonha por terem sido oprimidas e desrespeitadas. Precisávamos, muito antes de ler sobre o ‘referente ausente’ e todos os conceitos que nos são explicados, explicar uma para as outras quais eram os nossos referentes e o que havia sido ausente. E dessa forma nossa, entre amigas, entre, antes de companheiras de luta, mas entre confidentes, nos descobrimos um pouco, nos fortalecemos um pouco, nos blindamos de apoio para saber que indo para o público, o nosso privado seria tocado e exposto, mas que não seria mais um problema tão grande, por que agora estávamos ali enquanto oito, dez, vinte, trezentas... A ajuda que precisávamos era muito maior do que a dos livros que poderiam nos emprestar. Os livros são importantes, sem dúvida e, assim como referendamos os movimentos goianienses mais antigos, prestamos nossa homenagem também à Rosa Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Maria da Penha e tantas outras e ousamos acreditar que elas, se nos conhecessem não fariam patrulha ideológica nos mandando parar de ler blogs e ler seus livros e sim reconheceria que um passo estava sendo dado e nos agradeceria por estar, de alguma forma, da forma como encontramos, continuando uma luta que um dia elas começaram e tanto sofreram por isso.
E também estamos sofrendo, em muito menor proporção do que as prostitutas do DERGO que ousamos defender de piadas de mau gosto, é verdade, mas sofremos por falar. Sofremos porque nos acostumaram caladas, dando risadas forçadas de piadas infames; por que nos acostumaram a chorar sozinha em casa e permanecer lá, para quem ninguém visse o que todos buscaram esconder: que havíamos sido humilhadas na frente de todo mundo.
‘E cadê o recorte de classe?’, alguém pode dizer. ‘Cadê vocês indo para a periferia?’ ‘Vocês são ricas ou de classe média e não sabem o que acontece na quebrada’, também já ouvimos. E respondemos que nem todas as acusações que nos taxam são verdadeiras, mas algumas são, sim. Nem todas são ricas ou de classe média, mas isso ninguém sabe e nem procurou saber. Nem todas são tão alienadas assim, e muitas se travestiram com essa máscara de alienada para serem aceitas por aqueles que agora não nos suportam em nossa fase mais ‘desalienação’. Mas, de fato, damos razão de que temos muito o que conhecer, temos muitas realidades que queremos acessar, temos muitos livros para ler e muitas histórias para ouvir e contar, e estamos buscando, um passo de cada vez, com as forças que temos, com as forças que outras estão nos dando, com a força que as próprias críticas nos dão, diariamente, de saber que se estamos sendo criticadas é por que tem muita gente que de alguma forma também está sendo tocada (o) e incomodada (o).
Demos um passo, dois, alguns e queremos dar mais, por que temos vontade e entendemos que o querer deve ser valorizado como quase a metade de um processo de mudança. Pretendemos despertar em nós e em outras e outros mais quereres, mais vontade de luta, mais vontade de mudança, num feminismo que estamos descobrindo no combate diário às opressões.
Muito prazer, nós também estamos nos conhecendo. Nós somos o Starfish.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Marcha das Vadias

(Texto explicativo que fiz na ocasião da Marcha das Vadias de 2012 em Goiânia, que aconteceu no dia 07 de julho com a presença de mais de 400 pessoas.)

A Marcha das Vadias surgiu a partir da afirmação de um policial em Toronto, Canadá, em abril de 2011. Este afirmou que se as mulheres queriam evitar estupro, não deviam andar com roupas provocantes, com roupas de vadias. As marchas começaram a partir da indignação em relação à esta afirmação do policial que coloca a responsabilidade dos estupros nas vítimas.
Marcha das Vadias, porque se andar com a roupa que queremos, seja ela qual for, é ser vadia, somos todas vadias, então, somos todas livres. O nome é também uma provocação. Chama atenção no início e desperta a curiosidade das pessoas que tentam entender o porquê deste nome e aí se informam e conhecem essa história e, geralmente, também se surpreendem com o absurdo que é culpar uma vítima por um estupro.
O coletivo de organização da marcha é algo muito simples, que surgiu da vontade de muitas mulheres goianas que viram a marcha acontecendo em outros lugares do país, souberam do motivo delas terem acontecido e pensavam em organizar uma aqui também. Ano passado tivemos duas Marchas das Vadias em Goiás, uma na Universidade Federal Goiás, campus Goiânia, e outra que ocorreu durante o FICA (Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental), na cidade de Goiás. Este ano começamos a organização com um mês de antecedência e estamos com boas expectativas. Nas duas reuniões que tivemos foram cerca de 20 a 25 pessoas. No nosso grupo no facebook já temos quase 300! Todas as deliberações são tomadas de forma coletiva em reunião. No grupo on line são recebidas propostas, feitos debates, etc.
No Brasil já foram feitas outras marchas, Marcha das Mulheres, Marcha das Margaridas, etc. Em nenhuma delas, infelizmente, conseguimos respaldo e muito menos que a mídia veiculasse informações corretas sobre elas. O nome vadias ou qualquer outro nome não muda o preconceito que a mulher vive todos os dias, pelo contrário, ele escancara o quanto ele está presente nas falas, nas universidades, no trabalho, nas relações de trabalho, em casa, etc. Toda mulher já foi chamada de “vadia”. Seja numa festa ou no ambiente de trabalho, basta ela não responder a expectativas geralmente machistas para ser chamada de “vadia”.
Felizmente, o movimento de mulheres e a adesão à Marchas como a das vadias está crescendo. Percebemos cada vez mais mulheres interessadas em lutar, em não ficarem caladas diante do machismo do dia-a-dia que humilha, estupra e mata. As redes sociais têm facilitado a comunicação a este respeito, pois na grande mídia tradicional raramente encontramos este espaço. A mulher na mídia é objetificada, o que também é machismo! Mas em Goiânia a luta por direito de mulheres não é novidade. Tem muita gente que luta há muitos anos. A Marcha das Vadias é novidade, porque também é uma novidade no mundo, mas contamos, sempre, com colaboração e com certeza contaremos com a presença de feministas históricas do estado na Marcha!
Apesar de avanços nas lutas das mulheres, ainda falta muita coisa! No Brasil, aproximadamente 15 mil mulheres são estupradas por ano, os salários são desiguais, há muita violência doméstica, mulheres são ofendidas e abusadas indo e voltando do trabalho dentro do transporte público, etc. As mulheres ainda são impedidas de coisas elementares, como ir e vir em paz. Esse e outros dados de violência contra mulher são alarmantes! A sociedade de hoje só foi possível com a luta incansável de outras feministas de outros tempos, mas é necessário continuar a luta. O machismo vem de onde menos se espera. Esta semana recebemos a denúncia de um texto publicado num jornal local com o título "Marcha das Vadias e o crime precipitado pela vítima", onde um advogado membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/GO defende que a mulher é culpada pelo crime de estupro. Em suas palavras que ela vem desempenhando "um papel de incitador da violência contra si mesmo, contribuindo com a ação do criminoso, seja pela inspiração ou facilitação do crime. Desta forma, a vítima é sujeito ativo no crime perpetrado contra ela própria. Ela é partícipe e desenvolve forte influência para a realização do evento criminoso." Diante de uma declaração dessa, proferida por um advogado que diz defender os direitos humanos, ainda paira dúvida quanto à importância da luta diária contra o machismo?
O feminismo que defendemos é a luta diária por direitos das mulheres, é a defesa incansável de que as mulheres são livres e iguais, é a luta para que o machismo pare de nos matar! Mulheres livres, Margaridas, Vadias, o que for, são marchas de defesa da mulher contra o machismo.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Subvertendo a heteronormatividade ou a importância das pequenas mudanças cotidianas

Não precisamos ir muito a fundo na própria internet para checarmos o significado desta longa e desconhecida (para a maioria da população) palavra:

Heteronormatividade (do grego hetero, "diferente", e norma, "esquadro" em latim) é um termo usado para descrever situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas. Isto inclui a idéia de que os seres humanos recaem em duas categorias distintas e complementares: macho e fêmea; que relações sexuais e maritais são normais somente entre pessoas de sexos diferentes; e que cada sexo têm certos papéis naturais na vida. Assim, sexo físico, identidade de gênero e papel social de gênero deveriam enquadrar qualquer pessoa dentro de normas integralmente masculinas ou femininas, e a heterossexualidade é considerada como sendo a única orientação sexual normal. As normas que este termo descreve ou critica podem ser abertas, encobertas ou implícitas. Aqueles que identificam e criticam a heteronormatividade dizem que ela distorce o discurso ao estigmatizar conceitos desviantes tanto de sexualidade quanto de gênero e tornam certos tipos de auto-expressão mais difíceis.

Sim, a fonte é a Wikipedia mesmo e o texto não terá recuo de página e espaçamento de acordo com as normas ABNT porque a intenção deste texto não é, nem de longe, ser acadêmico. Muito pelo contrário, ele pretende dialogar com a realidadde, coisa que a academia - me corrijam se eu estiver errada – raramente consegue. E eu digo a realidade das ruas, e não do seu nicho social restrito. Eu falo sobre a realidade do eixão, dos terminais de ônibus, das conversas de padaria e nos bares de periferia. Essa, com certeza, a academia não consegue acessar, por mais que tente (?).
Mas foi nessa academia que critico que tive acesso a essa “palavrona” pela primeira vez quando fui carinhosamente corrigida (porque, sim, é possível corrigir alguém “sem perder a ternura”) por uma amiga. Eu dizia que precisávamos esclarecer as coisas e ela sempre dizia que não, que precisávamos, na verdade, escurecer as coisas e me dizia que devíamos subverter a heteronormatividade. Oi?
Alguns meses depois, também na faculdade, pude participar do ENUDS, Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual, cujo tema, naquele ano de 2007 era justamente “Militância e Academia: resignificando práticas e conceitos para subversão da heteronormatividade”. Ali, além de me encantar com uma temátic que colocava dois temas aparentemente distintos em uma mesma frase: militância e academia, também pude entender de fato e na prática o que era essa tal heteronormatividade que minha amiga falava. Desde então, me policio em minhas falas.
O que quero com esse texto, então, é propor um policiamento, à la repressão stalinista? De forma alguma, fujo disso quase tanto quanto fujo de machistas. Mas é interessante notar que quando começamos uma luta ou até mesmo algumas leituras feminista, observamos que nossa prática passa, espontaneamente, a mudar e não é diferente com as palavras.
Quando propus, na ocasião da gravação de aúdios com frases para a Marcha das Vadias de 2012 em Goiãnia e também para campanhas na internet, que falássemos de coisas do cotidiano como em “ela diz que é feminista, mas vez ou outra chama uma mulher de piranha” eu não estava pensando em ninguém, eu estava pensando sobre mim, sobre minha prática e sobre o quanto eu posso realmente me dizer feminista se vez ou outra tenho uma atitude dessas. Mas, como li em um blog há algum tempo, não existe a feminista perfeita, ainda bem, e vamos nos educando coletivamente na prática.
E é essa prática, muito mais do que os livros ou os blogs, que nos ensina, ou melhor, nos faz perceber que não é legal chamar a coleguinha de vadia, mesmo que a coleguinha não seja lá tão chegada assim. Ela pode ser sua inimiga, mas atribuir conotações que dizem respeito a sua sexualidade como vadia, puta, piranha, etc., apenas corroborará para velhos estigmas de que “mulheres são inimigas por natureza” ou “mulheres vivem em competição”, “mulheres se vestem para se mostrar para a outra”, e por aí vai.
É preciso subverter a heteronormatividade, as palavras que denigrem a mulher.. ops, mas, espera aí, porque “denigrem”? Denegrir é fazer ficar negro. Então ficar negro é ruim? Tá vendo? As palavras, assim como demais elementos de sociabilidade humana, estão repletas de preconceitos e, sobretudo, historicidade. Não é preciso ser nenhum Marcos Bagno, etimólogo ou acadêmico de nenhuma área para perceber na rua isso, em cada frase, em cada “gostosa”, em cada comparação da mulher à um pedaço de carne, em cada xingamento que, quando é dirigida a alguém do gênero feminino vem sempre embutido de julgamentos de valor acerca de sua sexualidade, a cada filho da puta, para falar que um político é ladrão. Por que não usar ladrão? Por que falar sobre a mãe dele? Por que xingá-la de puta, ofendendo-a, seja ela quem for, mas não ofendendo aquele que merecia sim, com termos corretos, ser chamado de ladrão, corrupto, etc.
E então vamos nos policiar? Não. Vamos continuar lutando e sendo feministas. Uma hora a ficha cai. Uma hora todo mundo percebe que é chavão, é senso comum, é status quo e é tudo aquilo que pretendemos lutar contra ficar por aí concordando, inclusive em palavras, com o que está posto, como se a linguagem não fosse dinâmica e, assim como a sociedade, passível de ser mudada.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O plano era viver de poesia, e não de academia. Porra!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

De Pinheirinho à Parque Oeste

(Esse poema foi musicado pela banda Gerações Perdidas.)

De Pinheirinho à Parque Oeste,
a reintegração de posse,
que garante muitas mortes,
que garante a posse de especuladores
com o sangue de trabalhadores.
Com as mães que perdem seus filhos,
com a população que perde seus direitos
de serem tratados como dignos
e respeitados pelos eleitos.
A posse, a propriedade privada,
a truculência da polícia armada,
o Estado que legitima,
a polícia que extermina.
A especulação imobiliária gera a guerra urbana.
Só a luta da classe trabalhadora garante a vida mais humana.