sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Subvertendo a heteronormatividade ou a importância das pequenas mudanças cotidianas

Não precisamos ir muito a fundo na própria internet para checarmos o significado desta longa e desconhecida (para a maioria da população) palavra:

Heteronormatividade (do grego hetero, "diferente", e norma, "esquadro" em latim) é um termo usado para descrever situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas. Isto inclui a idéia de que os seres humanos recaem em duas categorias distintas e complementares: macho e fêmea; que relações sexuais e maritais são normais somente entre pessoas de sexos diferentes; e que cada sexo têm certos papéis naturais na vida. Assim, sexo físico, identidade de gênero e papel social de gênero deveriam enquadrar qualquer pessoa dentro de normas integralmente masculinas ou femininas, e a heterossexualidade é considerada como sendo a única orientação sexual normal. As normas que este termo descreve ou critica podem ser abertas, encobertas ou implícitas. Aqueles que identificam e criticam a heteronormatividade dizem que ela distorce o discurso ao estigmatizar conceitos desviantes tanto de sexualidade quanto de gênero e tornam certos tipos de auto-expressão mais difíceis.

Sim, a fonte é a Wikipedia mesmo e o texto não terá recuo de página e espaçamento de acordo com as normas ABNT porque a intenção deste texto não é, nem de longe, ser acadêmico. Muito pelo contrário, ele pretende dialogar com a realidadde, coisa que a academia - me corrijam se eu estiver errada – raramente consegue. E eu digo a realidade das ruas, e não do seu nicho social restrito. Eu falo sobre a realidade do eixão, dos terminais de ônibus, das conversas de padaria e nos bares de periferia. Essa, com certeza, a academia não consegue acessar, por mais que tente (?).
Mas foi nessa academia que critico que tive acesso a essa “palavrona” pela primeira vez quando fui carinhosamente corrigida (porque, sim, é possível corrigir alguém “sem perder a ternura”) por uma amiga. Eu dizia que precisávamos esclarecer as coisas e ela sempre dizia que não, que precisávamos, na verdade, escurecer as coisas e me dizia que devíamos subverter a heteronormatividade. Oi?
Alguns meses depois, também na faculdade, pude participar do ENUDS, Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual, cujo tema, naquele ano de 2007 era justamente “Militância e Academia: resignificando práticas e conceitos para subversão da heteronormatividade”. Ali, além de me encantar com uma temátic que colocava dois temas aparentemente distintos em uma mesma frase: militância e academia, também pude entender de fato e na prática o que era essa tal heteronormatividade que minha amiga falava. Desde então, me policio em minhas falas.
O que quero com esse texto, então, é propor um policiamento, à la repressão stalinista? De forma alguma, fujo disso quase tanto quanto fujo de machistas. Mas é interessante notar que quando começamos uma luta ou até mesmo algumas leituras feminista, observamos que nossa prática passa, espontaneamente, a mudar e não é diferente com as palavras.
Quando propus, na ocasião da gravação de aúdios com frases para a Marcha das Vadias de 2012 em Goiãnia e também para campanhas na internet, que falássemos de coisas do cotidiano como em “ela diz que é feminista, mas vez ou outra chama uma mulher de piranha” eu não estava pensando em ninguém, eu estava pensando sobre mim, sobre minha prática e sobre o quanto eu posso realmente me dizer feminista se vez ou outra tenho uma atitude dessas. Mas, como li em um blog há algum tempo, não existe a feminista perfeita, ainda bem, e vamos nos educando coletivamente na prática.
E é essa prática, muito mais do que os livros ou os blogs, que nos ensina, ou melhor, nos faz perceber que não é legal chamar a coleguinha de vadia, mesmo que a coleguinha não seja lá tão chegada assim. Ela pode ser sua inimiga, mas atribuir conotações que dizem respeito a sua sexualidade como vadia, puta, piranha, etc., apenas corroborará para velhos estigmas de que “mulheres são inimigas por natureza” ou “mulheres vivem em competição”, “mulheres se vestem para se mostrar para a outra”, e por aí vai.
É preciso subverter a heteronormatividade, as palavras que denigrem a mulher.. ops, mas, espera aí, porque “denigrem”? Denegrir é fazer ficar negro. Então ficar negro é ruim? Tá vendo? As palavras, assim como demais elementos de sociabilidade humana, estão repletas de preconceitos e, sobretudo, historicidade. Não é preciso ser nenhum Marcos Bagno, etimólogo ou acadêmico de nenhuma área para perceber na rua isso, em cada frase, em cada “gostosa”, em cada comparação da mulher à um pedaço de carne, em cada xingamento que, quando é dirigida a alguém do gênero feminino vem sempre embutido de julgamentos de valor acerca de sua sexualidade, a cada filho da puta, para falar que um político é ladrão. Por que não usar ladrão? Por que falar sobre a mãe dele? Por que xingá-la de puta, ofendendo-a, seja ela quem for, mas não ofendendo aquele que merecia sim, com termos corretos, ser chamado de ladrão, corrupto, etc.
E então vamos nos policiar? Não. Vamos continuar lutando e sendo feministas. Uma hora a ficha cai. Uma hora todo mundo percebe que é chavão, é senso comum, é status quo e é tudo aquilo que pretendemos lutar contra ficar por aí concordando, inclusive em palavras, com o que está posto, como se a linguagem não fosse dinâmica e, assim como a sociedade, passível de ser mudada.

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