sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Há um sentimento grande e mútuo,
e contra isso não há argumentos válidos
e muito menos interpretações bem embasadas.

O que há neste infinito entre nós,
é algo que não cabe ao entendimento alheio.

Se é por ti que me sinto casta
para que possas vir tocar-me
de forma a perder-me em encantos.

Se é em ti que agora repousam
de forma tão serena
os sonhos que ainda tenho.

E é por ti uma admiração quase devota,
que me faz perceber
que por tamanho encantamento,
nosso amor vai ficar por aí,
perdido e transposto no tempo.

domingo, 5 de agosto de 2007

Ela saíra de casa sem qualquer expectativa que chegasse ao ponto em que se chegou naquela noite.

O dia da noite a qual se fala havia sido como todos os outros desde que ele entrara em sua vida: acordara com o pensamento longe, e cada passo de sua arrumação matinal visava ele, cada gota de seu perfume esperava por seu olfato atento; cada detalhe que outros não haviam reparado e agora ele repararia, dando a ela vida, disposição e desejo, que há tempos não era sentido com tamanha intensidade.

Ela temia não estar conseguindo disfarçar tamanho furor, tamanha ansiedade em mais uma vez vê-lo, sentir seu toque suave em suas mãos, o olhar libidinoso em suas pernas, a ternura em sua fala que a fazia esquecer o mundo, o trabalho e as convenções sociais.

Aquela tarde até então seria como outra qualquer, de conversas virtuais sorrateiras e instigantes, de mãos que transpiravam à espera de mais uma mensagem.

A admiração ia crescendo e ela sentia que isso era mútuo.

O prazer pelo que é errado, a proximidade do que muitos chamariam de pecado a excitava ainda mais. O ciúme que já começara a surgir, os olhares que se escapuliam, o pedido que mais tarde seria aceito; o ato impensado.

Sem pensar em nada ela apenas obedeceu aos seus instintos de fera, de fêmea. Sem pensar em nada ela quis se entregar ao possível erro. Ela queria ser errada.

Passos que ainda titubeavam não na dúvida. Não. Ela sabia muito bem o que queria, mas se sentia uma menina insegura, que logo se sentiria, pelo menos por alguns instantes, na mais desejada das mulheres.

O toque, o público, o beijo afoito que revelava a também vontade dele. O envolvimento forte. Dois corpos que se desejavam com uma eloqüência e que se atraíram desde o primeiro momento.

Se era erro, se era precipitação, se existiam impedimentos, ou até mesmo se existia mundo atrás daquelas cortinas ela agora não queria saber, não queria saber de mais nada que não fossem beijos, carícias, mordidas, arranhões, órgãos unidos em uma voracidade de duas pessoas que sabem o quanto a luxúria era parte de suas vidas.

Luxúria, desejo que surgiu de maneira rápida e que agora fazia aqueles dois corpos se deitarem, se procurarem com mãos agora afoitas, mãos que antes foram tão suaves, mas que naquele momento sabiam que a suavidade não cabia ali.

E inventavam mil formas de se devorarem, mil maneiras de se comunicarem somente com a linguagem dos corpos suados, das línguas que percorriam o suor, de gemidos e movimentos que os faziam delirar.

Ordens, tapas, força, vigor, tudo ali era permitido para que se cultuasse apenas o que os dois procuravam: o prazer!

Ele passara do ponto.

Complicado dizer que pessoas, seres humanos simplesmente ‘passam do ponto’, não que essa seja uma comparação grotesca e indelicada. Chega a ser curioso e interessante, mas existem situações em que se pode usar tal expressão, pela falta de outra.

Eram olhos de extrema sensibilidade e profundos sempre. Eram falas mansas e uma conversa boa. Eram pensamentos em sintonia, eram brincadeiras, fundos-de-verdades, intimidade: a roubada e a consentida. Eram dois. E já houve tempo em que eram mais, e falavam abertamente sobre isso, e então agora, havia passado do ponto.

Passou-se do ponto onde o limite de segredos ditos, situações presenciadas, atos impensados, falatórios e bebedeiras agora atrapalhariam quem se deixa atrapalhar. E ele deixara.

Bons amigos, bons papos, bons olhares, bons carinhos, e cada vez mais, ela, contraditória que é, queria mais. Queria ver como seria se seus corpos se encontrassem, se aquele carinho crescesse, se chegassem a um ponto em que não conseguiriam mais se conter e começassem a ser amar de forma feroz, e depois, de mansinho, que era mais a cara dele. Queria descobrir o homem por trás do menino. Queria que em uma noite qualquer dessas, ficassem conversando durante horas como sempre faziam, e bebendo uma bebida qualquer, sentissem que o ar estava mudando, que começara a surgir cheiro de flores doces e excitantes. Queria que aos poucos a conversa mudasse de rumo, que começassem a falar sobre seus dramas e amores, e disso já falavam, mas que as flores o embriagassem muito mais que a bebida e, então, sentados numa cama estreita, ouvindo música calma, ele começasse a passar levemente as mãos entre suas pernas, bem suave, e que já não fosse o toque de um amigo, e ela fingiria que não estava percebendo, hesitante, acharia que não era nada e continuaria falando, falando, como é seu costume, mas mudaria seu olhar, faria pose de conquistadora que ela sabia que não tinha, mas que pelo spleen do momento, fingia que sim...

Acontece que a partir daí, ela, mesmo querendo mais, não consegue sequer imaginar outras coisas, por achar que ele era especial demais, e que, nesses casos, não cabem imaginações programáticas ou, quem sabe, por saber que não seria por aí, ou por insegurança.

Ela também passara do ponto, do ponto de se deixar envolver naturalmente.

E eles perderam o ponto.
Existencialismo à Brasileira ou A Ciranda dos Poetas

O que só Lispector entederia para, mais tarde, Abreu escrever.
O que a voz rouca de Ro Ro cantaria o que Cazuza havia confessado.
O que, num toque de ternura e lirismo, Vinicius ensinaria a Chico
Que é mesmo o amor que faz isso com as pessoas.

Poema em eterna construção.

sábado, 4 de agosto de 2007

É por essas e outras é que eu quero uma máquina de escrever, sabe?

É que sempre fico aqui presa a todas essas cores, pareço uma criança. Que de criança sei que já não há quase nada, a não ser pela vontade de chorar quando as coisas não vão bem, a não ser pelo medo sempre presente daquilo que é novo e, ao mesmo tempo, a vontade de conhecer.

É por essas e outras que meu saudosismo sempre vem de encontro ao meu profundo pesar por não viver. Por aquela coisa que sempre digo, de tudo o que escorre entre os dedos.

É que hoje pela manhã, e também já não me lembro se já era tarde, pensei em um monte de coisas, sabe? Daquelas que se diz e estufa o peito. Pensei nas coisas que diria seguindo Gabriel de Britto Velho, ou seria Caio F. Abreu? pensei, enfim, naquilo que me faz me sentir mais mulher, mais eu, mais humana, o que me faz pulsar, ou ter a sensação de.

Mas acontece que nessas horas fica tudo muito nebuloso, tudo muito vago e eu só começo a pensar sobre quadros, cinema, música e o que mais eu posso pensar para voltar a sentir o que queria ter sentido.

Sentido: é essa a busca.

E vai ver que no fundo eu nem acredito muito nessa coisa de busca, mas a gente sempre vai buscando; buscando um não sei o quê que a gente acha que está escondido, mas vem fulano e diz que não está, e vem fulano que te mostra aquele livro, o outro que lhe fala de religião, outro que vem falar de política e, ah! A política!

É que no fundo tudo aquilo que eu estava pensando meio que fugiu, morreu, ou está apenas escondido, junto com as outras coisas que sempre ficam escondidas e eu nem sei se quero achar. Agora quero, depois, já não sei mais.

E o que é mais complicado é quando a gente se dá conta de que o mundo está perdendo o seu encanto, quando começa a olhar para tudo sem tanto entusiasmo e acha tudo muito repetitivo. "Diferente de todas, como todas”, diria um conhecido que queria que fosse amigo meu.

E queria muitas coisas. Ah, como queria! Costumava querer, ao menos.

Queria mesmo era descobrir de onde vem tanto ácido. De onde vem essas respostas bem dadas, esse pensamento rápido e essa crítica nem sempre tão bem elaborada, mas sempre presente.

Acidez que por vezes se torna identidade.

Daí, talvez possa se explicar o beija-flor, que rouba das flores o que é doce apenas para saciar-se, mas que não quer pertencer a nenhuma delas. Este não é o seu mundo.