domingo, 5 de agosto de 2007

Ele passara do ponto.

Complicado dizer que pessoas, seres humanos simplesmente ‘passam do ponto’, não que essa seja uma comparação grotesca e indelicada. Chega a ser curioso e interessante, mas existem situações em que se pode usar tal expressão, pela falta de outra.

Eram olhos de extrema sensibilidade e profundos sempre. Eram falas mansas e uma conversa boa. Eram pensamentos em sintonia, eram brincadeiras, fundos-de-verdades, intimidade: a roubada e a consentida. Eram dois. E já houve tempo em que eram mais, e falavam abertamente sobre isso, e então agora, havia passado do ponto.

Passou-se do ponto onde o limite de segredos ditos, situações presenciadas, atos impensados, falatórios e bebedeiras agora atrapalhariam quem se deixa atrapalhar. E ele deixara.

Bons amigos, bons papos, bons olhares, bons carinhos, e cada vez mais, ela, contraditória que é, queria mais. Queria ver como seria se seus corpos se encontrassem, se aquele carinho crescesse, se chegassem a um ponto em que não conseguiriam mais se conter e começassem a ser amar de forma feroz, e depois, de mansinho, que era mais a cara dele. Queria descobrir o homem por trás do menino. Queria que em uma noite qualquer dessas, ficassem conversando durante horas como sempre faziam, e bebendo uma bebida qualquer, sentissem que o ar estava mudando, que começara a surgir cheiro de flores doces e excitantes. Queria que aos poucos a conversa mudasse de rumo, que começassem a falar sobre seus dramas e amores, e disso já falavam, mas que as flores o embriagassem muito mais que a bebida e, então, sentados numa cama estreita, ouvindo música calma, ele começasse a passar levemente as mãos entre suas pernas, bem suave, e que já não fosse o toque de um amigo, e ela fingiria que não estava percebendo, hesitante, acharia que não era nada e continuaria falando, falando, como é seu costume, mas mudaria seu olhar, faria pose de conquistadora que ela sabia que não tinha, mas que pelo spleen do momento, fingia que sim...

Acontece que a partir daí, ela, mesmo querendo mais, não consegue sequer imaginar outras coisas, por achar que ele era especial demais, e que, nesses casos, não cabem imaginações programáticas ou, quem sabe, por saber que não seria por aí, ou por insegurança.

Ela também passara do ponto, do ponto de se deixar envolver naturalmente.

E eles perderam o ponto.

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