Hoje fui
cortar o cabelo e a TV do salão estava ligada no programa da Ana
Maria Braga que, surpreendentemente, não fez uma cobertura ruim
sobre o caso da mulher que foi torturada e teve os dois olhos
perfurados pelo ex-marido (de quem havia se separado há dois anos e
chegado a mudar de cidade pra fugir dele). Mostraram uma entrevista
com ela (chorei assistindo) e no final a Ana Maria até deu uns
toques legais. Falou que é para as mulheres ficarem atentas aos
primeiros sinais de agressão, mesmo que sejam verbais; falou que
mesmo que seja casada, se um dia você não quiser transar e seu
marido te forçar, isso é estupro e tem que ser denunciado. Quando
ela disse isso, uma mulher que estava lá falou: "Nossa, estão
ensinando tudo errado!". Eu, estarrecida, perguntei "Como
assim?". E ela continuou: "Você é casada? É que quando a
gente casa, a gente aprende que nosso corpo não é mais nosso, ele
passa a ser do marido". O choque, então, foi maior ainda!
Muito
maior, inclusive, do que com o comentário de uma outra que, minutos
antes dessa, havia dito que "tem mulher também que procura".
Esse comentário, na real, a gente escuta mais (mas nunca deve ser
tomado como "normal" e muito menos aceitável), a questão
é que, com essa, eu dialoguei e perguntei "o que é
'procurar'?", daí, conversa vai, conversa vem, ela acabou
concordando que, em linhas gerais, nada justifica a agressão. Já
foi uma avanço.
Mas a que
disse que o corpo é a propriedade do marido, começou a ficar
agressiva quando eu comecei a tentar conversar sobre isso e logo me
tirou e começou a conversar com outras. No papo, percebi que ela era
evangélica, dai, explica-se um pouco da frase acima. Mas, mesmo
assim, não é só a religião que explica esse tipo de pensamento!
Infelizmente, esse o pensamento mais comum entre todxs.
Saí de
lá angustiada e estou até agora. O caso de uma mulher torturada que
ficou cega deveria servir para que refletíssemos e lutássemos mais
ainda contra o machismo, e não para gerar comentários desse tipo.
Nessas
horas, além de me sentir impotente - afinal, não obtive êxito na
tentativa de diálogo com uma delas e sei que minha palavra nunca
seria nada perto dos sermões do pastor -, percebo, mais ainda, o que
sempre falo: a luta contra o machismo é, e só pode ser, diária,
toda hora, no salão, no ônibus, na conversa com a avó, seja lá o
que for. Maria da Penha, Delegacia da Mulher, políticas públicas,
discussões teóricas são extremamente importantes e devem vir
concomitantes com essa militância tida por alguns como “menor”,
de todo dia, de tentar ir quebrando esse pensamento machista
arraigado até mesmo entre mulheres. O feminismo tem que conseguir
chegar onde o pastor chega, tem que ir pra periferia, tem que
dialogar com essas mulheres que não são culpadas por pensarem
assim, afinal, elas foram ensinadas e reforçadas todos os dias
assim. É preciso saber lidar com isso, saber dialogar de forma
fraterna com essas companheiras. Mas, como? Em momentos assim,
percebo que, apesar de tantos avanços (que muitxs nem sabem) a luta
feminista ainda não é nada para muita gente e precisa conseguir
chegar nesses e em todos os espaços: da conversa entre manicures aos
cursos de formação, políticas públicas, etc.
Pensei em
elaborar melhor esse texto/post, mas, na real, foi mais um desabafo
mesmo. Elaborações teóricas e acadêmicas teriam pouca serventia
para explicar a angústia que estou sentindo.
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