quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Feminismo cotidiano


Hoje fui cortar o cabelo e a TV do salão estava ligada no programa da Ana Maria Braga que, surpreendentemente, não fez uma cobertura ruim sobre o caso da mulher que foi torturada e teve os dois olhos perfurados pelo ex-marido (de quem havia se separado há dois anos e chegado a mudar de cidade pra fugir dele). Mostraram uma entrevista com ela (chorei assistindo) e no final a Ana Maria até deu uns toques legais. Falou que é para as mulheres ficarem atentas aos primeiros sinais de agressão, mesmo que sejam verbais; falou que mesmo que seja casada, se um dia você não quiser transar e seu marido te forçar, isso é estupro e tem que ser denunciado. Quando ela disse isso, uma mulher que estava lá falou: "Nossa, estão ensinando tudo errado!". Eu, estarrecida, perguntei "Como assim?". E ela continuou: "Você é casada? É que quando a gente casa, a gente aprende que nosso corpo não é mais nosso, ele passa a ser do marido". O choque, então, foi maior ainda!
Muito maior, inclusive, do que com o comentário de uma outra que, minutos antes dessa, havia dito que "tem mulher também que procura". Esse comentário, na real, a gente escuta mais (mas nunca deve ser tomado como "normal" e muito menos aceitável), a questão é que, com essa, eu dialoguei e perguntei "o que é 'procurar'?", daí, conversa vai, conversa vem, ela acabou concordando que, em linhas gerais, nada justifica a agressão. Já foi uma avanço.
Mas a que disse que o corpo é a propriedade do marido, começou a ficar agressiva quando eu comecei a tentar conversar sobre isso e logo me tirou e começou a conversar com outras. No papo, percebi que ela era evangélica, dai, explica-se um pouco da frase acima. Mas, mesmo assim, não é só a religião que explica esse tipo de pensamento! Infelizmente, esse o pensamento mais comum entre todxs.
Saí de lá angustiada e estou até agora. O caso de uma mulher torturada que ficou cega deveria servir para que refletíssemos e lutássemos mais ainda contra o machismo, e não para gerar comentários desse tipo.
Nessas horas, além de me sentir impotente - afinal, não obtive êxito na tentativa de diálogo com uma delas e sei que minha palavra nunca seria nada perto dos sermões do pastor -, percebo, mais ainda, o que sempre falo: a luta contra o machismo é, e só pode ser, diária, toda hora, no salão, no ônibus, na conversa com a avó, seja lá o que for. Maria da Penha, Delegacia da Mulher, políticas públicas, discussões teóricas são extremamente importantes e devem vir concomitantes com essa militância tida por alguns como “menor”, de todo dia, de tentar ir quebrando esse pensamento machista arraigado até mesmo entre mulheres. O feminismo tem que conseguir chegar onde o pastor chega, tem que ir pra periferia, tem que dialogar com essas mulheres que não são culpadas por pensarem assim, afinal, elas foram ensinadas e reforçadas todos os dias assim. É preciso saber lidar com isso, saber dialogar de forma fraterna com essas companheiras. Mas, como? Em momentos assim, percebo que, apesar de tantos avanços (que muitxs nem sabem) a luta feminista ainda não é nada para muita gente e precisa conseguir chegar nesses e em todos os espaços: da conversa entre manicures aos cursos de formação, políticas públicas, etc.
Pensei em elaborar melhor esse texto/post, mas, na real, foi mais um desabafo mesmo. Elaborações teóricas e acadêmicas teriam pouca serventia para explicar a angústia que estou sentindo.  

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